Noronha Ghetti Advocacia

Artigos

Postado em: 28 jan 2021

É válida a exigência de certidão negativa tributária (CND) para a homologação do plano de recuperação judicial da empresa?

O procedimento de recuperação judicial “tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica” (art. 47, Lei de Recuperações e Falência – Lei n. 11.101/05).

Apesar disso, a Lei n. 11.101/05, de forma contraditória, em seu artigo 57, estabeleceu que o devedor deverá apresentar certidões negativas de débitos tributários como condição para a homologação do plano de recuperação judicial.

Como não poderia deixar de ser, a (ir)regularidade da exigência de certidão negativa de débitos tributários passou a ser objeto de relevantes controvérsias entre as empresas em recuperação judicial e os entes tributários, dada a existência de manifesta antinomia entre a norma do art. 57 e o princípio insculpido no art. 47 (preservação da empresa), ambos da Lei n. 11.101/05.

Recentemente, o Ministro DIAS TOFOLLI, do Supremo Tribunal Federal (STF), tornou sem efeito liminar outrora deferida em favor da UNIÃO pelo Ministro LUIZ FUX nos autos da Reclamação n. 43.169/SP e ratificou o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para afastar a exigência de apresentação de certidão negativa de débitos tributários após a juntada aos autos do processo de recuperação do plano aprovado pela assembleia-geral de credores.  

Continue a leitura do artigo para obter maiores informações.

  • A RECUPERAÇÃO JUDICIAL COMO FORMA DE PRESERVAÇÃO DA EMPRESA

Dentre as formas legalmente previstas para a superação da situação de crise econômico-financeira vivenciada por empresas devedoras, existe o procedimento da recuperação judicial, descrito na Lei n.  11.101/2005.

Aludida legislação regulamentou a recuperação judicial das empresas e descreveu, como objetivos principais, a manutenção: (i) da fonte produtora (atividades empresariais); (ii) do emprego dos trabalhadores; e (iii) dos interesses dos credores.

Nessa esteira, a superação da situação de crise econômico-financeira por intermédio do procedimento de recuperação judicial tem a finalidade de promover a preservação da empresa, manter sua função social e estimular a atividade econômica.

Logo, a empresa que passa pelo procedimento de recuperação judicial terá a possibilidade de (após a elaboração e homologação de um plano para pagamento dos credores) arcar com as suas obrigações em formatos flexíveis e acessíveis para que, posteriormente, possa restabelecer suas atividades de modo saudável e, assim, cumprir sua função social.

  • A EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITOS TRIBUTÁRIOS CONTRARIA A FINALIDADE DA NORMA

Muito se discute sobre a inclusão dos débitos tributários no plano de recuperação judicial. 

Seria, portanto, razoável e proporcional a exigência de certidão negativa de débitos tributários como condição prévia para a recuperação judicial da empresa?

Respeitando opiniões em sentido contrário, entendemos que se trata de exigência sem amparo na realidade empresarial brasileira, pois exigir a apresentação das certidões negativas como requisito para a concessão da recuperação judicial poderia, em último grau, inviabilizar a própria existência desse instituto.

Com efeito, a demonstração da regularidade fiscal do devedor deve ser compatível com os princípios e objetivos que estruturam a operacionalização da Lei n. 11.101/05, em especial o postulado constitucional da proporcionalidade.

Portanto, a exigência da certidão negativa de débitos tributários é inadequada para atingir a finalidade almejada pela norma, haja vista que, no atual sistema de recuperação de empresas, a Fazenda Pública não fica desprovida dos meios próprios para a cobrança dos créditos de sua titularidade, especialmente se considerarmos que as execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial.

Por fim, entender que a ausência das certidões de regularidade fiscal do devedor seja instrumento impeditivo à concessão do benefício recuperatório traz consigo efeito nefasto, já que sua não apresentação teria como consequência a decretação da falência da sociedade empresária, o que dificultaria o recebimento do crédito tributário, uma vez que ele está classificado em terceiro lugar na ordem de preferência (art. 83, III, da Lei n. 11.101/05.

  • O ENTENDIMENTO DO STJ QUANTO A EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITOS FISCAIS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Diversos são os precedentes do Superior Tribunal de Justiça favoráveis às empresas em recuperação judicial. 

Para o STJ, prevalece o princípio da preservação da empresa e a necessidade de flexibilização das formas de pagamento dos credores (inclusive tributários), face a exigência de comprovação da regularidade fiscal do devedor para a homologação do plano de recuperação judicial.

Em recente decisão, o STJ ponderou que a exigência legal de apresentação da certidão de regularidade dos débitos tributários como condição para a homologação do plano de recuperação judicial é inadequada e desnecessária:

 

“… (i) inadequada porque, ao impedir a concessão da
recuperação judicial do devedor em situação fiscal irregular, acaba impondo uma dificuldade ainda maior ao Fisco, à vista da classificação do crédito tributário, na hipótese de falência, em terceiro lugar na ordem de preferências

(ii) desnecessária porque os meios de cobrança das dívidas de natureza fiscal não se suspendem com o deferimento do pedido de soerguimento” 

(STJ – 3ª Turma, Min. Rel. Nancy Andrighi, REsp 1.864.625/SP, DJ. 26/06/2020. destaques meus).

 

Ao final, a Corte Superior concluiu pela irregularidade da exigência, pois os motivos que fundamentam a exigência da comprovação da regularidade fiscal do devedor (assentados no privilégio do crédito tributário), não tem peso suficiente – sobretudo em função da relevância da função social da empresa e do princípio que objetiva sua preservação – para preponderar sobre  o direito do devedor de buscar no processo de soerguimento a superação da crise econômico-financeira que o acomete (STJ – 3ª Turma, Min. Rel. Nancy Andrighi, REsp 1.864.625/SP, DJ. 26/06/2020, destaques meus).

Após o citado julgado do STJ, a questão foi remetida em sede de reclamação constitucional à Suprema Corte.

  • O ENTENDIMENTO DO STF QUANTO A EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITOS FISCAIS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Em 03/12/2020, o Supremo Tribunal Federal voltou a se pronunciar acerca da exigência da certidão de regularidade fiscal como condição para a homologação do plano de recuperação judicial.

Na oportunidade, o Ministro DIAS TOFOLLI tornou sem efeito liminar deferida no mês de setembro em favor da UNIÃO pelo Ministro LUIZ FUX nos autos da Reclamação n. 43.169/SP e ratificou o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para afastar a exigência de apresentação de certidão negativa de débitos tributários após a juntada aos autos do processo de recuperação do plano aprovado pela assembleia-geral de credores.

Para o Ministro TOFOLLI, ao apreciar o REsp n. 1.864.625/SP, “a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça exerceu um juízo de ponderação entre a exigência do art. 57 da Lei 11.101/05 e os princípios gerais constantes da norma, notadamente no seu no seu artigo 47, concluindo, assim, pela desproporcionalidade da exigência contida na primeira norma, com os princípios delineados na segunda. (…) Como se vê, não há repercussão direta no texto constitucional, senão reflexa, na controvérsia envolvendo a exigência de regularidade fiscal no processo de recuperação judicial. O que fez a terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça foi olhar a teleologia da Lei n. 11.101/05, como um todo, e procurar a solução que apresentava menor restrição possível às normas legais que norteiam o instituto da recuperação judicial”.

Sem sombra de dúvidas a recentíssima decisão do STF teve grande relevância em favor dos empresários, pois, antes disso, como já dito, o Ministro Luiz Fux havia suspendido os efeitos da decisão do STJ, por considerar legítima a exigência da certidão de regularidade fiscal pela Lei n. 11.101/2005.

Apesar da relevância dos posicionamentos do STJ e do STF, cabe frisar que não houve a revogação da exigência de apresentação da certidão negativa de débitos tributários descrita na Lei n. 11.101/2005.

Dessa forma, é importante contratar uma assessoria jurídica atenta e atualizada quanto aos requisitos da recuperação judicial.

 

Autor Dr. Guilherme Ghetti

Vamos conversar sobre o assunto? Entre em contato conosco.

Voltar

Desenvolvido por In Company