Entenda os principais aspectos da ação revocatória na lei de falências
Em linhas gerais, a falência de uma empresa é decretada quando esta não possui mais meios viáveis para uma saudável recuperação de suas atividades com o devido pagamento dos seus credores.
Por se tratar de uma fase delicada que as empresas pretendem evitar, o processo de falência contempla inúmeras peculiaridades que o torna complexo na maior parte das situações.
Entre tais peculiaridades, por exemplo, destaca-se o cabimento de ação revocatória para assegurar o direito da coletividade dos credores em face de negócios jurídicos que reduziram o patrimônio da empresa falida.
Neste artigo será abordado o conceito, a finalidade e algumas particularidades da ação revocatória.
- O contexto em que se insere a ação revocatória
No processo em que discute a falência de uma empresa (o processo falimentar), busca–se assegurar o interesse de todas as partes envolvidas, desde a própria empresa falida com seu patrimônio (denominado, juridicamente, como massa falida), até a infinidade dos credores, observando-se a data de habilitação, a natureza dos respectivos créditos e os aspectos concursais para pagamento, nos termos da Lei n. 11.101/2005.
Os interesses dos credores são limitados aos aspectos concursais – de ordem de prioridade para pagamento -, pois a empresa falida é assim considerada por não possuir ativos (patrimônio em geral) suficientes para a quitação da totalidade dos seus passivos (dívidas).
Ou seja, a empresa falida é aquela que possui mais passivos do que ativos – não tendo como reverter a situação em um eventual procedimento de recuperação empresarial.
Para efetivamente equacionar os interesses e os direitos de todas as partes envolvidas, observando os regramentos descritos na Lei n. 11.101/2005, compete ao juízo falimentar nomear um profissional de sua confiança para figurar como administrador judicial (popularmente conhecido como “síndico” da empresa falida).
Dessa forma, em um único processo de falência é comum (recomendável e essencial) que exista simultaneamente:
- a constituição de advogados pela própria empresa falida – para atuação em seu próprio e exclusivo interesse;
- a constituição de advogados dos respectivos credores – para indicação e habilitação dos créditos, resguardando seus interesses;
- a atuação do administrador judicial que, sendo nomeado pelo juiz competente para o processamento da ação falimentar, assume a responsabilidade pelo procedimento falimentar em si, e
- a fiscalização de todo o procedimento pelo Ministério Público, em prol da coletividade de credores.
O administrador judicial será o profissional responsável, em linhas gerais, pelo mapeamento da situação econômica da empresa falida.
Incumbe-lhe tomar conhecimento quanto ao patrimônio do passado, presente e futuro que possa influenciar a massa falida, bem como todas as negociações realizadas em determinados períodos pela empresa falida e quanto as dívidas habilitadas pelos respectivos credores.
Fala-se em “determinados períodos”, pois, em sendo aceito o processo falimentar, o juiz competente irá fixar um termo legal para a determinação dos efeitos da falência, o qual poderá retroagir em até noventa dias contados a partir de algumas situações, quais sejam:
- o pedido de falência,
- o pedido de recuperação judicial, ou
- o primeiro protesto por falta de pagamento que não tenha sido cancelado.
Assim, a fixação do termo legal é de extrema relevância para o processo falimentar, pois será determinante para o administrador judicial (ou, na sua omissão, os demais interessados) averiguar as negociações realizadas pela empresa falida que interfiram na totalidade do patrimônio a ser destinado ao pagamento de credores para, então, se for o caso, ajuizar a ação revocatória.
- O que é e para que serve a ação revocatória?
Sabendo do contexto que se insere a ação revocatória, fica mais simples compreender qual é o significado e o principal objetivo da medida.
A ação revocatória trata-se de uma medida judicial utilizada para declarar ineficazes determinadas negociações jurídicas que eventualmente tenham sido realizadas pela empresa falida antes da decretação da falência, em prejuízo da coletividade de credores.
É o caso, por exemplo, da empresa falida (antes de ser assim considerada, mas já sendo portadora de relevantes dívidas) efetuar pagamentos de débitos ainda não vencidos ou alienar seu estabelecimento empresarial à terceiros, sem efetuar o pagamento de quaisquer credores.
O objetivo da ação revocatória, portanto, é a declaração da ineficácia do negócio jurídico para restituir o patrimônio à massa falida para sua utilização no pagamento dos credores, seguindo a ordem de prioridade descrita na Lei n. 11.101/2005.
Assim, sendo julgada procedente a ação revocatória, ocorre a expressa autorização judicial para a inclusão dos bens questionados (que teriam sido objeto de negociações entre a empresa falida e terceiros, em prejuízo dos credores habilitados na falência) na massa falida.
- Há limite para a declaração de ineficácia ou esta seria uma anulação do negócio realizado pela empresa falida?
A ineficácia pretendida na ação revocatória não é sinônimo da anulação do negócio jurídico realizado pela empresa falida.
A anulação tornaria o determinado negócio jurídico totalmente ineficaz.
No entanto, o objetivo da ação revocatória é apenas a restituição do patrimônio alineado e, portanto, a declaração de ineficácia em favor da massa falida para que haja a respectiva (e correta) distribuição entre os credores.
A declaração de ineficácia também não se vincula necessariamente a existência de uma fraude.
A existência ou não de fraude na negociação realizada em prejuízo do patrimônio a ser distribuído entre a coletividade dos credores trata, inclusive, do fator de caracterização das espécies de ação revocatória.
Ou seja, existem diferentes modalidades de ação revocatória, como:
- a ação revocatória objetiva (que não depende da demonstração de fraude ou do conhecimento prévio do terceiro envolvido na negociação quanto a crise econômica do empresário devedor), e;
- a ação revocatória subjetiva (vinculada à efetiva demonstração de fraude).
Tanto a ação revocatória objetiva quanto a ação revocatória subjetiva estão previstas na Lei de Falências (Lei n. 11.101/2005) e contam com requisitos específicos, inclusive quanto ao prazo de possível ajuizamento.
Portanto, pode-se concluir que o limite para a declaração de ineficácia pretendida na ação revocatória corresponde ao preenchimento dos requisitos de uma ou outra modalidade – servindo, em ambos os casos, como uma forma de restituição do patrimônio alineado pela empresa falida, mas não necessariamente na anulação integral do negócio jurídico realizado.
- Considerações finais
No processo falimentar, importa considerar os interesses dos credores que não podem ser prejudicados por atos praticados pelo falido, resultando na manifesta dilapidação do patrimônio (que já se mostra reduzido em face das dívidas da empresa que tem uma falência decretada).
Dessa forma, havendo receio ou identificação de negócios jurídicos prejudiciais ao patrimônio da empresa falida a ser distribuído aos credores, compete ao administrador judicial ajuizar uma ação revocatória.
Caso a ação revocatória seja cabível e o administrador judicial não a utilize, a medida pode ser ajuizada pelos próprios credores ou pelo representante do Ministério Público, que atua como fiscal da lei.
Logo, apesar do administrador judicial atuar no processo com o objetivo de equacionar os interesses de todas as partes envolvidas, nos termos da Lei 11.101/2005, ele não substitui a própria representação dos credores por seus advogados, especialmente diante das diversas variáveis existentes em um processo falimentar.
Portanto, se você é credor de uma empresa que está falida ou prestes a falir, consulte um advogado especializado no assunto para que sejam adotadas estratégias para o efetivo recebimento do crédito.
Vamos conversar sobre o assunto? Entre em contato conosco para maiores esclarecimentos!
Autoria Dr. Thiago Noronha.